Você já comeu ou conhece o "pão jacaré"? Pois ele não pode faltar nas padarias da região do Cariri e se tornou presença garantida no período da Semana Santa. O produto, que pode ser vendido de vários tamanhos, é muito procurado por moradores e visitantes, principalmente em Juazeiro do Norte.
Seguindo a tradição regional, desde 2017 a padaria Pão Nobre, no Bairro Novo Juazeiro, oferta pão jacaré aos seus clientes durante todo o ano. Porém, é no período da quaresma e da Páscoa que as vendas aumentam consideravelmente.
Maria Clara Honorato, responsável pelo marketing do local, afirma que neste ano foram mais de mil pães fabricados apenas neste período de simbologia católica.
Por conta da forte procura para presentear e para servir em celebrações familiares, a padaria adaptou a sua produção para oferecer a iguaria em quatro tamanhos, que variam de 150 gramas até um quilo (1kg). Com isso, os preços também vão de R$ 3,99 até R$ 34,99.
"Todos os nossos pães são do dia e vão fresquinhos para a casa dos clientes", afirma Ana, lembrando que neste final de semana de Páscoa a programação é de uma produção extra para dar conta da demanda.
Além disso, o grande volume de venda deste ano foram as encomendas para empresas, presentes, lembrancinhas para familiares distantes e consumo próprio. "Muitas pessoas compram para experimentar, acabam gostando e encomendando", diz a funcionária da padaria.
Do que é feito o pão jacaré?
Calma! Se você acha que a iguaria leva esse nome por ter carne do animal na composição, pensou errado. O pão jacaré nada mais é do que um pão de coco, com sua receita tradicional cearense, feito em um formato que lembra o jacaré.
Por falar em pão de coco, na última terça-feira (15), ele se tornou um patrimônio histórico-cultural e imaterial do Estado, título concedido pela Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). Além disso, é fato que ele é símbolo da Semana Santa apenas no Ceará. Assim, muitos pesquisadores já buscaram a sua origem, mas o mais aceitável é que ele seja a representação do pão doce de outros países, servidos em comemorações.
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Pão de coco é tradição na Semana Santa e recebeu título de patrimônio histórico-cultural e imaterial do Estado. Foto: Davi Rocha |
Ewerton Reubens Coelho-Costa, doutor em Sociologia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), em um texto publicado em 2019, disse que o pão de coco leva coco porque, antes da popularização do trigo na região, era a fruta que se misturava nas massas de tapioca ou beiju.
Por que a simbologia na Páscoa
A Páscoa e a tradição de distribuir pão nesse período é anterior a Jesus Cristo, remete ao século XII antes de Cristo (A.C.). Ela é uma celebração judaica onde se comemora, até hoje, a fuga da escravidão do Egito liderada por Moisés.
Com a morte de Cristo, o sentido da partilha do pão mudou. O hábito, segundo o professor Coelho-Costa, “foi adquirido sobretudo em referência ao pão-por-Deus, entregue no dia de Todos os Santos”. No Ceará, o pão sofreu modificação, incluindo o ingrediente local, o coco.
Aqui pode-se fazer um adendo. Buscando o motivo do formato do pão jacaré, uma das explicações poderia ser que no Egito Antigo, o animal jacaré era símbolo de fertilidade e morte/renascimento - o que é celebrado neste período de Páscoa pelos católicos, a morte e ressurreição de Jesus Cristo.
Mas, afinal, de onde vem essa tradição?
Comprado ou dado, uma coisa é certa: o pão jacaré, em Juazeiro do Norte, circula muito, especialmente, no período da Semana Santa. Sua origem na região é um mistério, mas a mais aceita é de que ele foi trazido por romeiros de Padre Cícero.
O jornalista e professor da Universidade Federal do Cariri (UFCA), Tiago Coutinho, escreveu um artigo sobre o pão jacaré, a partir da sua perplexidade ao descobrir que essa é uma tradição muito cearense. Ao passar um feriado de Páscoa no Piauí, ele descobriu que tanto a tradição do pão de coco como do pão jacaré, não existe em outros lugares como aqui.
"Nasci em Fortaleza e lembro de, na infância, meu tio comprar pão jacaré e eu achava o máximo. Eu nunca associei a Semana Santa, mas adorava esse pão jacaré que vi aos poucos desaparecendo em Fortaleza. Quando cheguei para morar no Cariri, me deparei com essa tradição de o pão jacaré ser um pão de coco muito comum na Semana Santa. Não deu outra, virei fã e aderi à tradição juazeirense", comenta.
Iguaria também é vendida no Rio Grande do Norte
Coutinho encontrou registros antigos do pão jacaré na cidade de Felipe Guerra, no Rio Grande do Norte, onde ele é tradicionalmente consumido na Sexta-Feira Santa.
“Contudo, não consegui descobrir exatamente quando o pão jacaré colocou suas patas pela primeira vez em Juazeiro do Norte”.
De um dossiê que o professor recebeu da historiadora Amanda Teixeira, “Sabores, saberes e fazeres da chapada do Apodi”, organizado pelo Instituto Federal do Rio de Grande do Norte, em 2013, saiu que um dos registros mais antigos do pão jacaré, é datado de 1955.
Porém, assim como no Cariri, a maioria dos moradores de Felipe Guerra (distante 325 km de Juazeiro do Norte), segundo o dossiê, desconhece como começou a tradição.
Quem inventou o pão jacaré?
No documento, pesquisadores potiguares descobriram o primeiro padeiro a produzir um pão jacaré que se tem conhecimento: Francisco Chagas de Góis, nascido em 1932. Entre os anos de 1955 e 1956, Chagas Travesso, como ficou conhecido, modelou pães em formatos de jacaré, estrela, peixe e tartaruga para serem leiloados na Festa de Nossa Senhora da Conceição.
Questionado pelos pesquisadores do IFRN, o primeiro padeiro que se tem conhecimento a fazer o pão jacaré afirmou ter usado como referência a marca da “Querosene Jacaré”, produzida no Brasil pela Esso e muito comercializada na década de 1950.
O jornalista reforça que a população de Felipe de Guerra, segundo o relatório, “ficou admirada com a forma incomum do bicho e, desde então, o pão tornou-se sucesso de vendas, justificando a permanência da figura do animal”.
“Agora, como esse jacaré veio bater em Juazeiro do Norte, eu realmente não descobri. A minha única hipótese é a fé em Padre Cícero. Será que algum romeiro trouxe um pão jacaré, quando veio passar a Semana Santa no Cariri, no início dos anos 60, e algum padeiro viu e imitou”, questiona.
Fonte: Diário do Nordeste